Brinco contigo e com o desejo que nos temos, porque somos, fundamentalmente, amigos e é assim que os amigos fazem: contam-se segredos, partilham impossíveis e tocam-se pela rama. Brinco connosco e com esta pesca ao arrasto, em que nos atiramos redes esburacadas e nos escapamos como golfinhos com sorte, semana após semana, porque te acho graça a essa fuga em frente, desmazelada e perigosa. Brinco comigo, porque me vejo excessiva e ridícula, a querer-te de modo tão perdulário quanto inútil, refém de um desejo-tractor inutilizado e avariado num palheiro de quinta. Brinco, porque sei que me desperdiço as horas e me vou gastando com nada, mas, que queres, acho-me graça, à perseverança amorosa e à disponibilidade sorridente, que me acrescentam sempre algo de bom. Gozo com o sexo bestial que nos invento em coreografias madrugadoras, porque jurei que pela minha pele nunca mais perpassaria a angústia de não te poder ter e eu cumpro sempre as minhas juras (menos a que às vezes te faço, que é a de deixar de te querer). Brinco, porque às vezes me sinto outra vez miúda de sardas e de dentes de coelho, à beirinha do último degrau do prédio e do primeiro amor, a provocar-me vertigens, curiosa dos mistérios da queda brusca. Brinco contigo e com o desejo que nos temos porque somos, fundamentalmente, amigos (e é assim que os amigos fazem).
Escrito por Sofia Vieira
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